A apresentadora do Bahia Meio Dia, programa da TV Bahia, afiliada da Globo, Jéssica Senra, criticou o discurso xenofóbico do vereador Sandro Fantinel (sem partido), de Caxias do Sul, na Serra do RS, que questionou a repercussão do resgate de empregados em situação de escravidão e afrontou trabalhadores baianos.
A fala de Jéssica Senra aconteceu na edição de quarta-feira (1°) e foi bastante compartilhado por internautas nas redes sociais. A apresentadora também compartilhou o vídeo, que recebeu mais de 174 mil curtidas até o início da manhã desta quinta (2).
"Esse vereador ficou revoltado porque os trabalhadores escaparam e denunciaram as condições degradantes. A gente toca até tambor muito bem, temos praias lindas. Mas nossa cultura não é só isso, não, viu, vereador? Nossa cultura é de não se deitar para autoritários, tiranos, para senhores de engenho", disse a jornalista.
Na sequência, Jéssica Senra fez um retrospecto da história da imigração do Rio Grande do Sul.
"Esses imigrantes não eram pessoas ricas que vieram investir no Brasil, pelo contrário. Eram pessoas fugindo de crises econômicas na Europa e que receberam inúmeros benefícios do Brasil para aqui se instalarem".
"Hoje [quarta-feira], esse vereador de um estado construído com a força de pobres imigrantes, discrimina pessoas humildes em busca de oportunidades de trabalho. Ignorando sua história, se crê superior social e economicamente", concluiu.
Ignorância e burrice
Jéssica Senra também citou o escritor mineiro Luiz Ruffato, para explicar o termo xenofobia e as diferenças entre ignorância e burrice.
"A xenofobia é aquele comportamento que exclui, discrimina, que difama pessoas com base na percepção de que são estrangeiras à comunidade. É a aversão, o medo, a antipatia de quem vem de fora. Muitas vezes está atrelada a uma ideia equivocada de que os estrangeiros representariam prejuízos ao sucesso econômico de um cidadão ou de um país, somados a preconceitos e estereótipos que geram esse ódio", pontuou.
De acordo com a jornalista, "enquanto ignorância é a falta de conhecimento sobre determinado assunto, a burrice é a incapacidade de compreender a realidade, por teimosia ou arrogância".
"A burrice costuma a vigorar em locais permeados pela intolerância, por essa sensação equivocada de superioridade. Para a ignorância o antídoto é o conhecimento, já para a burrice é necessária uma forte repressão social, nesse caso com punições exemplares como, por exemplo e no mínimo, a perda de mandato deste homem que se mostra indigno de representar um povo miscigenado como o povo brasileiro", afirmou.
Alvo de pedidos de cassação
O vereador Sandro Fantinel já foi alvo de dois pedidos de cassação na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul. O Ministério Público do Trabalho (MPT) do Rio Grande do Sul também anunciou que investigará o parlamentar por apologia ao trabalho escravo.
Fantinel foi expulso do Patriota na quarta-feira (1º). Um boletim de ocorrência contra ele foi registrado pelo deputado estadual Leonel Radde (PT) na terça (28). O g1 tentou falar com o vereador durante toda a quarta-feira, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Investigação
O Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) abriu, de ofício, investigação contra o vereador por apologia ao trabalho escravo. De acordo com o órgão, Fantinel "culpabilizou as vítimas pela situação, além de promover xenofobia contra trabalhadores baianos" em seu discurso.
Para o procurador e vice-coordenador nacional de erradicação do trabalho escravo no MPT, Italvar Medina, "a fala minimiza, indevidamente, a extrema gravidade da escravidão contemporânea, busca culpabilizar as próprias vítimas pelos ilícitos sofridos, tem conteúdo preconceituoso e, para piorar, estimula a discriminação nas relações de trabalho, em ofensa à Constituição da República, à legislação e a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil".
Declarações
Na terça-feira (28), Fantinel usou a tribuna da Câmara de Vereadores para pedir que os produtores da região "não contratem mais aquela gente lá de cima", se referindo a trabalhadores vindos da Bahia. A maioria dos trabalhadores contratados para a colheita da uva veio do estado nordestino.
Fantinel sugere que se dê preferência a empregados vindos da Argentina, que, segundo ele, seriam "limpos, trabalhadores e corretos".
Após o discurso, o vereador afirmou ao g1 que só falou da Bahia "porque é a Bahia que tá envolvida no processo de Bento Gonçalves, se fosse Santa Catarina, eu teria falado Santa Catarina". Ele acrescentou que se arrepende de ter dito que "a única cultura que os baianos têm é viver na praia tocando tambor".
O vereador voltou a falar sobre o discurso à equipe da RBS TV, na manhã de quarta (1º).
"A intenção da pauta na tribuna, ontem, era querer transmitir para os agricultores terem um certo cuidado. Porque existem alguns grupos que estão dando golpes usando a questão da analogia à escravidão. [...] Quando a gente está no calor da fala, [...] a gente diz palavras que não é o que a gente quer dizer, que não representa a gente", afirmou.
"A única coisa que eu disse dos baianos é que eles gostam só de tocar tambor e ficar na praia né. Se a gente fosse ter essa conversa em um outro momento, a pessoa iria dizer: 'ah, é verdade. É a cultura deles, não tem nada de mal'. O problema é que entrou em um contexto que foi interpretado como forma de falar mal deles", disse.
Repúdio
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, condenou, através das redes sociais, a fala do vereador de Caxias do Sul, Sandro Fantinel. A posição de Leite foi contra o "discurso xenófobo e nojento" do parlamentar.
O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT) também se manifestou no Twitter: "Eu repudio veementemente a apologia à escravidão e não permitirei que tratem nenhum nordestino ou baiano com preconceito ou rancor".
Relembre o caso
O caso veio à tona na quarta-feira (22), quando três trabalhadores procuraram a polícia após fugirem de um alojamento em que eram mantidos contra sua vontade. Uma operação realizada no mesmo dia resgatou mais de 200 pessoas que eram submetidas a trabalho análogo à escravidão durante a colheita da uva.
Os trabalhadores foram contratados pela Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, que oferecia a mão de obra para as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi, Salton e produtores rurais da região. A maioria viajou da Bahia para o RS. Eles afirmam que eram extorquidos, ameaçados, agredidos e torturados com choques elétricos e spray de pimenta.
O administrador da empresa chegou a ser preso pela polícia, mas pagou fiança e foi solto. As vinícolas que faziam uso da mão de obra análoga à escravidão devem ser responsabilizadas, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
A maioria dos trabalhadores resgatados chegou à Bahia nesta segunda-feira (27). Os demais optaram por permanecer no RS. Quase todos já receberam as verbas rescisórias a que tinham direito, em um valor que, somado, ultrapassou R$ 1 milhão.
Na terça-feira (28), a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) suspendeu a participação das vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton de suas atividades. A ApexBrasil é um serviço social autônomo vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, NComércio e Serviços (MDIC), que promove os produtos brasileiros no exterior. |